ARTIGO DE REVISÃO
PORTELLA, Anderson Gonçalves [1]
PORTELLA, Anderson Gonçalves. Negociações via internet: Estudo do comportamento negociador versus consumidor através da web. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 01, Vol. 06, pp. 74-95. Janeiro de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/engenharia-de-producao/negociacoes-via-internet, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/engenharia-de-producao/negociacoes-via-internet
RESUMO
Através dos estudos realizados pelo projeto INTERNEG (1996) foram iniciadas pesquisas visando avaliar e levantar hipóteses quanto à influência das novas tecnologias de computação, onde a pequena loja da esquina passou a negociar via web com outro empresário/consumidor que anteriormente não seria cogitado – o negociador virtual. Surgiu então o “negociador sem face”, e o “consumidor remoto ou virtual”, que geograficamente ou culturalmente estariam interagindo na maximização de suas utilidades. O projeto INTERNEG teve como instrumento de trabalho a ferramenta INSPIRE que permitiria através de um pré-questionário, uma análise das mensagens trocadas entre os negociadores, e de um pós-questionário (não obrigatório), avaliar as negociações feitas entre indivíduos que não se conheciam, assim como o desfecho de suas negociações. O objetivo deste artigo é analisar a negociação via internet – precursores do e-commerce, as relações de confiança com o consumidor, os esforços para tornar as negociações mais interativas, e o comportamento do negociador e do consumidor. O método de análise utilizado baseia-se na visão estruturalista cujo objetivo é descobrir quais estruturas sustentam todas as coisas que os seres humanos fazem, pensam e percebem, sendo ainda uma corrente de pensamento nas ciências humanas que se inspirou no modelo da linguística e que depreende a realidade social a partir de um conjunto considerado elementar (ou formal) de relações. Os resultados demonstraram que o cenário de barganha com poucas trocas são indesejáveis para persuadir os participantes a aceitar ofertas de pós-acordo, no entanto, sugere que tais ofertas devem ser acompanhadas de argumentos adicionais que viabilizarão a barganha e permitirão o atingimento Pareto-ótimo da negociação virtual.
Palavras-chave: E-commerce; Negociação Virtual; Teoria dos Jogos; Economia Comportamental.
1. INTRODUÇÃO
A origem da teoria dos jogos é relacionada ao matemático John von Neumann (1903-1975), juntamente com o economista alemão Oskar Morgenstern (1902-1977). Sua primeira publicação sobre jogos data de 1944 de “The Theory of Games and Economic Behavior”, e nela demonstra que a solução para jogos de soma zero (par ou ímpar é um exemplo, onde quando um jogador ganha o outro necessariamente perde) pode ser determinado utilizando-se técnicas matemáticas.
Essas ferramentas foram desenvolvidas e elaboradas, a partir de 1950, por Reinhard Selten, John Forbes Nash e John Harsanyi, que receberam o Nobel de economia em 1994, por sua análise básica de equilíbrio na teoria dos jogos não-cooperativos.
A contribuição de Nash não se restringiu apenas aos jogos de soma zero, mas a uma noção de equilíbrio para modelos de jogos, ela ficou conhecida como “Equilíbrio de Nash”, que representa uma situação em que, em um jogo envolvendo dois ou mais jogadores, nenhum jogador tem a ganhar mudando sua estratégia unilateralmente.
A priori devemos classificar o que seria um jogo: “situações que envolvam interações entre agentes racionais que se comportam estrategicamente podem ser analisadas formalmente como um jogo”. (FIANI, 2004, p. 12)
Nesses casos todas as relações que foram estudadas nos casos monitorados através do projeto INTERNEG (1996) e pelos dados coletados pela empresa E-bit referentes a interações realizadas via internet, o que configuramos como resultado de jogos onde agentes racionais interagem, buscando estrategicamente maximizar suas respectivas funções utilidade.
Consideramos neste trabalho os fatores que levaram os agentes a interagirem racionalmente, e demais fatores que foram detectados pelo projeto INTERNEG e que poderiam ser considerados comportamentos irracionais, sendo que os segundos não podem ser analisados pela Teoria dos Jogos por não cumprirem os requisitos iniciais sobre a melhor maneira de se atingir os objetivos (agindo “sem pensar”, não são levantadas as informações necessárias para conclusões racionais das transações).
Mesmo levando-se em conta que os jogadores agem racionalmente, o cálculo racional pode induzir ao erro, Binmore (1987), considerado um dos mais importantes teóricos de jogos, levantou algumas condições para racionalidade do comportamento dos agentes:
1. O jogo (representando a interação dos agentes estrategicamente) é relativamente simples;
2. Os jogadores jogaram o jogo muitas vezes antes, e assim tiveram a possibilidade de aprender por meio de tentativa e erro (onde entra a questão do conhecimento profissional adquirido);
3. Os incentivos para jogar racionalmente, são adequados. (BINMORE, 1987)
1.1 OBJETIVOS
Analisar os aspectos intrínsecos das negociações via internet, que foram precursores do fenômeno e-commerce e do desenvolvimento do negociador.
Apresentar os aspectos comportamentais que influenciam o consumidor, as relações de confiança que são construídas, os esforços de interação que sustentam esta estrutura.
A partir de aspectos identificados no experimento, identificar características do “homo economicus”, tomador de decisões racionais, ponderadas, centradas em seu interesse pessoal e na capacidade ilimitada de processar informações através da WEB.
Entender e modelar as decisões dos agentes de forma mais realista, como sugere a Economia Comportamental, identificando como os consumidores tomam decisões individuais a partir de influências psicológicas, emocionais, conscientes e inconscientes, que afetam suas escolhas em um processo de negociação via internet.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 COMO OS FUNDAMENTOS DE UM JOGO ESTÃO VOLTADOS PARA NEGOCIAÇÃO?
Um jogo envolve a interdependência das ações de seus jogadores, o que os leva a considerarem nas suas decisões as reações dos outros jogadores, aos quais chamaremos de “oponentes”, desse modo os jogadores tomam decisões estratégicas, no sentido de que suas decisões não contemplem unicamente seus objetivos, mas também suas possibilidades de escolha, e as dos demais jogadores (ou oponentes).
Obviamente, também existem jogos que não contemplam decisões estratégicas, por utilizarem apenas habilidade ou mesmo pura sorte dos jogadores envolvidos, estes não serão objeto de estudo deste trabalho, por não envolverem decisões estratégicas que avaliem a interação entre os jogadores em uma transação.
As interações estratégicas sob a luz da teoria dos jogos nos permitem compreender os fatores determinantes das decisões dos agentes e, a lógica por trás de cada decisão comparada com casos semelhantes. No entanto, a teoria dos jogos não deve ser utilizada como instrumento de previsão do comportamento dos agentes indiscriminadamente, ou como regra para situações específicas, pois muitos fatores podem interferir na realidade concreta dada a assimetria de informação, em comparação com aquilo que é previsto pela teoria dos jogos, analisada coeteris paribus.
2.2 NEGOCIAÇÃO ATRAVÉS DA WWW: UM ESTUDO ENTRE CULTURAS DAS POTENCIALIDADES DA DECISÃO – REVISÃO DE ARTIGO
2.2.1 NEGOCIAÇÃO, TECNOLOGIA E CULTURA
As negociações envolvem comunicação, ainda que os estudos se concentrem mais na percepção dos processos das negociações e resultados em questionários e planilhas ignorando as regras vitais da comunicação. A ferramenta INSPIRE permitiu a comunicação por texto livre, de forma que as negociações fossem coletadas e analisadas. Uma conclusão após a análise foi que a cultura influencia as negociações através de seu efeito sobre as comunicações.
As diferenças culturais podem não emergir em interações face-a-face com negociadores de diferentes culturas, e é nesse momento que as negociações via INSPIRE permitem que fossem observadas as diferenças culturais, e em quais circunstâncias elas surgem em uma negociação anônima.
Visando dar início aos estudos do processo de interação, os usuários foram convidados a se cadastrarem escolhendo entre uma das empresas descritas: por um lado havia a empresa fictícia Itex Manufacturing, que produzia partes de bicicletas, de outro lado havia a também fictícia empresa Cypress Cycles, que constrói bicicletas (CRAY, 1997, apud KERSTEN e NORONHA, 1997, p. 5).
Nessa situação elas enfrentariam o seguinte problema: Cypress Cycles necessita de um componente para sua nova linha de bicicletas e nenhum fornecedor conhecido poderia suprir essa necessidade. A Itex Manufacturing estaria buscando incrementar sua participação no mercado de componentes e identificou uma oportunidade de prestígio em atender Cypress Cycles com a conclusão de um contrato lucrativo. Neste contrato existem 4 (quatro) assuntos a serem discutidos: preço dos componentes, tempos de entrega, acordo de pagamento e termo de devolução das partes defeituosas.
O processo de negociação sugerido pela literatura divide-se em fase antecedente (análise da negociação), fase corrente (condução da negociação) e fase consequente, que compreende uma análise pós-acordo, terminando com um preenchimento de um questionário não obrigatório.
A negociação não é sequencial, mas paralela, sendo que ela termina quando um compromisso é alcançado ou uma das partes termina o processo e informa seu oponente.
Um acordo é considerado “Pareto-ótimo” ou eficiente se ele não puder ser aperfeiçoado. Após a análise do INSPIRE e da determinação do Pareto-ótimo (o acordo alcançado) a negociação termina. Ao usuário é fornecida a chance de escolher uma das propostas ou a possibilidade de construir uma nova, ou ainda terminar a negociação e permanecer com um acordo ineficiente que tenha sido alcançado.
A ferramenta INSPIRE tem como meta primária observar e “logar” (criar registros de todas as ações) as atividades dos usuários o mais completamente possível. Outro fator relevante é que as negociações suportadas são assíncronas, considerando-se que as partes envolvidas vivem em fusos horários diferentes e raramente ambos estão “logados” simultaneamente.
Desta forma, a ferramenta INSPIRE proviriam 2 (duas) fontes de dados, as quais descrevem a negociação completa, melhor que os negociados a descreveriam:
1º – 2 (dois) questionários que são preenchidos on-line por cada negociador;
2º – uma gravação completa da negociação.
Ambos os questionários tentam capturar informações sobre os negociadores que de outra forma estariam indisponíveis. Eles também elucidam diretamente informações de percepção e julgamento sobre cada um e sobre o ambiente de negociação.
2.2.2 ESTRUTURANDO OS DADOS
Foram feitas 70 (setenta) mensurações em cada negociação, para verificar se estavam sendo corretamente analisadas através da ferramenta já descrita. Cada uma dessas variáveis (fatores) constitui uma coluna na tabela de saída do (IBM SPSS Statistical Package for the Social Sciences). Cada negociação acrescenta 2 (duas) linhas à tabela, uma para cada negociador (KERSTEN e NORONHA, 1997, p. 13).
O número de variáveis é intermediário no sentido de que elas são casualmente influenciadas por algumas variáveis independentes. Por exemplo, o número de ofertas feitas por um negociador é influenciado pelas normas de barganha de sua cultura, e influencia a probabilidade de alcançar um acordo com um correlativo de outra cultura.
Variáveis independentes não são afetadas por muitas das outras variáveis no estudo. Elas caem com 3 (três) subcategorias: assunto, tarefa e variáveis de sistema.
- Variáveis de assunto são as que descrevem os negociadores e algumas das mais importantes variáveis para o estudo;
- Variáveis de tarefa são relacionadas aos problemas comprometidos com os assuntos, essas centram ao redor do caso de negócio;
- Variáveis de sistema representam a presença ou ausência de características específicas de suporte no INSPIRE.
Variáveis dependentes são aquelas que têm a medida direta da eficácia final da potencialidade da decisão. Elas podem ser divididas em 3 (três) categorias: medidas da excelência da potencialidade do resultado da negociação, o processo de negociação e a eficácia do sistema.
Variáveis subjetivas do processo incluem posterior julgamento de satisfações com o processo.
Variáveis intermediárias fazem parte de um complexo selecionado de medidas que ligam as variáveis intermediárias. É a bagagem psicológica inicial ou domínios absolutos que os negociadores trazem para a mesa de negociação.
Uma segunda classe das variáveis intermediárias está relacionada ao comportamento dos negociadores durante a negociação. Uma terceira classe envolve ainda as percepções do negociador antes da negociação começar.
2.2.3 ANÁLISE CULTURAL DOS PARTICIPANTES
Os participantes da pesquisa, denominados negociadores, utilizando a ferramenta “INSPIRE” são: participantes de cursos universitários e seminários; web surfers, estes principalmente abandonaram as negociações o que as fez inutilizáveis.
A cultura do participante foi definida em 4 (quatro) procedimentos:
1. país residente e idioma, se coincidir de outra forma;
2. país de nascimento e idioma se coincidir, de outra forma;
3. o país da primeira língua aprendida, se não inglês, português, espanhol, de outra maneira pelo país de residência;
4. país de nascimento. (KERSTEN e NORONHA, 1997, p. 16)
Os dados a respeito dos usuários do sistema “INSPIRE” são coletados através de um questionário na “pré-negociação”. Na avaliação da descrição dos negociadores foi observado que os jovens, em média, se consideram menos experientes do que seus pares mais velhos, mesmo que a correlação entre idade e experiência dos negociadores seja fraca, não corroborando sua percepção.
O acesso e o uso da web são altos, exceto entre os negociadores indianos, os quais experimentam dificuldades com o acesso e a velocidade, mas unanimemente um significativo aumento do acesso à web.
2.2.4 ACORDOS ALCANÇADOS
No total participaram 390 negociadores para 195 negociações bilaterais. Na avaliação de compradores e vendedores de cada uma das companhias do exemplo (compradores – Cypress, vendedores – Itex), não há uma distribuição igual sendo que cada cultura apresenta mais de um do que dos outros. Há mais vendedores entre os finlandeses do que compradores, e o contrário ocorreu entre indianos e chineses. No momento da análise dos dados no IBM